Movimento Carreira de Informática

   pedro.m.ferreira@gmail.com               9 de Junho de 2023

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Parece que ao fim de 22 anos o governo acordou para a problemática da Carreira de Informática na Administração Pública.

Parece que ao fim de 22 anos o governo acordou para a problemática da
Carreira de Informática na Administração Pública. A promessa, que tem
vindo a ser adiada ano após ano concretiza-se neste ano de 2023 e,
esperemos nós, antes da dissolução do governo pela figura do Sr.
Presidente da República. Refiro-me à revisão da Carreira de Informática
da Administração Pública.

Esta carreira teve o seu estatuto aprovado no ano 2001, pelo
Decreto-Lei n.º 97/2001 de 26 de Março. Nesse ano vivíamos a VIII
legislatura, com um governo PS que, por um deputado, não obteve maioria
absoluta. Este equilíbrio de forças, a existência de uma maioria
relativa, é fulcral para a democracia e nele são tomados os maiores
avanços legislativos, ao contrário do que se verifica com uma maioria
absoluta. No ano seguinte, em  2002, é definido o conteúdo funcional da
carreira de informática pela portaria nº 358/2002 de 3 de abril,  que
definiu um salário mínimo  de 348€(  fonte: pordata1). O
informático tinha na sua Carreira 2 eixos: Técnico de informática e
Especialista de informática, sendo integrado na carreira em que se
adequasse de acordo com a sua formação. É necessário clarificar que o
índice pelo qual os informáticos da carreira de informática eram e são
remunerados tem o nome de índice 100 e que a última vez que foi revisto
foi em 2008 pela Portaria 1553C de 2008 para o valor de 342€, como tal,
tomarei o ano seguinte como o ano zero para os cálculos que apresento.
Ano 2009, salário mínimo 450€.

AnoSalário MínimoIndexante
2009450,00343,28

De
volta à Carreira de Informática, no ano de 2009 e ainda hoje em 2023,
um informático da carreira de técnico de informática, Grau 1, Nível 1,
receberia pelo índice, 332,2 3 ou seja , 332 vezes
o valor do índice 100 a dividir por 100, contas feitas 343,28*332/100 =
1139,69€. Se traduzir este resultado em partes do salário mínimo
observo que em 2009 o técnico de informática recebe 2,53 SMN (Salário
Mínimo Nacional). Aplico o mesmo raciocínio ao especialista de
informática, por exemplo, Grau 1, Nível 2, 342,28*480/100 = 1647,74, ou
seja, à data 3,66 SMN.

Técnico de informática Grau 1NívelíndiceRemuneração
 2009 34201441,78
  23701270,14
  13321139,69
Especialista de informática Grau 1NívelíndiceRemuneração
       2009  35401853,71
  24801647,74
  14201441,78

Ora, o salário mínimo nacional tem galopado trilho acima para fazer
frente às dificuldades acrescidas que as famílias sentem desde a troika,
pandemia e agora guerra! Contudo, a mesma atenção para com as restantes
posições da tabela remuneratória da administração pública não se tem
verificado. Como anteriormente apresentei4 a tabela remuneratória extraída da dgaep5, volto a fazê-lo de modo a comparar atualmente os valores da remuneração face ao salário mínimo nacional e indexante.

Torno a trazer o técnico de informática,  que em 2009 recebia 2,53,
hoje ano de 2023, o mesmo funcionário recebe 1,60 SMN, a redução é óbvia
0,93 partes do SMN que equivale a uma perda de 706€. Se reportar esta
perda para o ano de 2009, seria o mesmo que escrever que o Técnico de
Informática receberia 720€ de remuneração, quando o SMN nacional era de
450€.
É demais evidente o assalto que tem sido perpetrado contra a carreira de
informática da administração pública em virtude do aumento do SMN e do
congelamento do indexante para a Carreira.

Técnico de informática Grau Nível  1
AnoSalário MínimoIndexanteRemuneração Relativa ao SMNVariação SMN %
2009450343,282,530
2023760342,281,60– 93%

A tabela é demonstrativa da perda de poder de compra e das
dificuldades acrescidas que comportam esta real redução do salário. É um
exercício interessante tentar perceber a razão pela qual o índice  100
não ter sido atualizado, tal como foi atualizado o SMN e assim
transversalmente à administração pública, reduzir o poder de compra de
todos os trabalhadores da AP. A troika congelou a progressão do país e
as carreiras de toda a administração pública, usou-nos para salvar a
banca e, passado anos, o indexante continua a ser 342,28. Em proporção
ao salário Mínimo nacional de 20023 seria:

AnoSalário MínimoIndexanteIndexante em proporção
2009450,00343,28343,28
2023760,00343,28580,52

Continua esclarecedor a diferença entre o justo e o índice 100 de 343 euros .

Como nem só de euros vive o homem, também vivemos na carreira de
informática de atribuições. Provavelmente terá ouvido falar ou lido
sobre alguns temas da moda, Regulamento Geral de Proteção de Dados, RGPD6, Regime Jurídico de Segurança do Ciberespaço, RJSC7, a Lei de acesso a documentos administrativos LADA8, a classificação ASIA9, a CiberSegurança, os ataques, o ransomware, o trabalho remoto, a pandemia.

De um momento para o outro, em pleno estouro da pandemia, os serviços
da administração pública migraram para o conforto do lar. Grande parte
dos trabalhadores continuaram e bem a executar as suas funções que até
então eram desempenhadas no local de trabalho e espaço atribuído, em
casa. Toda esta magia, todo este esforço deveu-se não às empresas que
parasitam a administração pública, mas sim aos informáticos da carreira
de informática, que por amor à causa, fizeram das tripas coração para
que os serviços públicos continuassem a fluir dentro do possível sem
incremento de custos operacionais. Cada informático é responsável por
ter mantido o barco da administração pública com ritmo e com direção.
Nada do que se passou em pandemia teria sido possível sem o esforço
hercúleo dos informáticos da Administração pública. Se provas eram
necessárias foram dadas!

A informática não é como um simples dente de uma roda dentada, mas
sim o veio que deve ser oleado e revisto periodicamente. É assim que o
Governo deve olhar para esta carreira. Vemos, a cada dia, uma
preferência sem nexo pela externalização dos serviços em detrimento da
massa humana que existe na carreira de informática. Se provas eram
necessárias para demonstrar a excelência dos quadros da carreira de
informática foram dadas em contexto de pandemia.  Face à utilização de
recursos internos, a externalização de serviços tem um custo visível
muito maior e um custo invisível incalculável. Apostar no lobo que
guarda o galinheiro nunca deu bom resultado para o agricultor. Será
ingenuidade do governo apostar em quem fica com o conhecimento e é pago a
um preço deveras superior que qualquer um dos quadros que integra a
carreira de informática? Não se coloca neste desejo louco pela
externalização dos serviços, questões como a soberania? Trazer para a
discussão o RGPD, o RJSC e as perguntas:  quem acede? Como acede?  Por
que razão acede? Durante quanto tempo acede aos dados?  Não deveria ser
suficiente para perceber que a externalização é um caminho tenebroso?
Confiamos nos outros e não nos nossos?

Com tanto chavão tecnológico que circula é simples perceber que as
tecnologias também mudaram e evoluíram. A tecnologia de 2009, não é a
mesma de 2023. O trabalho do informático em 2009, não era mais
intelectualmente desafiante que o trabalho em 2023. Pelo contrário, em
2023, temos toda uma legislação que não existia em 2009, temos a
inteligência artificial cujo impacto será semelhante à massificação da
internet, temos os ataques cibernéticos constantes à administração
pública, temos muito com que nos preocupar, mas temos igualmente um
conjunto de necessidades e competências que foram sendo adquiridas e
postas em prática numa base diária que fazem com que as instituições não
parem de prestar serviço público. O informático da administração
pública é, muitas vezes, responsável pela segurança informática ou ponto
de contacto permanente, figura criada pelo DL 65/2019 de 30 de julho,
nesta última com disponibilidade 24 sobre 7, por imposição legal. Sim,
24 sobre 7!  Os informáticos da carreira de informática recebem alguma
compensação pela sua eterna disponibilidade? A resposta é não!  O
atropelo à legislação não acontece só noutras carreiras da administração
pública, acontece na carreira de informática. Qual é o informático que
nunca foi contactado após horário laboral para resolver um problema no
servidor, autorizar a passagem de um e-mail que caiu no SPAM ou
verificar a limitação de espaço na nuvem corporativa? A disponibilidade,
a vontade, os sentidos de missão sempre estiveram presentes. O governo
não o reconhece no informático de carreira.

As atribuições do Responsável pela segurança são imensas, o DL
65/2019, de 30 de julho assim o dita, Plano de segurança, inventário de
ativos, análise de risco, reporting constante para o Centro Nacional de
Cibersergurança. Uma carreira que não para de receber atribuições e está
em constante mutação: é inegável a evolução tecnológica; é inegável o
esforço necessário ao acompanhamento dessa evolução!  O governo continua
a negar-nos salário justo por todas essas atribuições, olha-nos como se
o trabalho fosse simplesmente, ligar e desligar o botão. Nada mais
errado. O certo é  a redefinição da carreira de informática e criar a
quem executa as funções de Responsável pela Segurança Informática, que é
encarregado da proteção de dados pessoas à luz do RGPD, um percurso
paralelo, justo e que seja benéfico para as organizações. Com todas
estas valências, com estas atribuições, o governo propõe que cada
informática perca em média 1,5 SMN de remuneração, cerca de 1000€. Quem
pode tolerar tal provocação?

Não ficamos por aqui, dia 1 de junho de 2023 o governo no boletim de
trabalho e emprego publica a sua proposta de revisão da carreira. Se até
aqui, o principal argumento é o magro salário para o excesso de
atribuições, de dia 1 em diante, a juntar a estes questões o governo fez
a magia de esmagar a carreira de informática, assassinando por completo
a figura central da carreira, o informático, quer técnico, quer
especialista. O governo propõe a passagem de uma carreira pluri
categorial,  para uni categorial. Uma carreira alinhada com a carreira
de técnico superior, no caso de especialista de informática e assistente
técnico no caso de técnico de informática, sem qualquer diferenciação
significativa para o especialista e diferenciação negativa para o
técnico. Estranho é que na proposta apresentada pelo governo  «as
carreiras comportam conteúdos funcionais distintos dos previstos para as
carreiras gerais, diferenciando-se destas pelo nível superior de
exigência que caracterizam as suas atividades e pelo dever de
atualização permanente que o exercício das respetivas funções impõe.»10.
Se o próprio governo escreve que a carreira de informática é diferente
da carreira geral pelo nível superior de exigência, pela atividade e
pela atualização constante, como é possível apresentar uma proposta
remuneratória, igual ao que existe na carreira geral de técnico superior
para o especialista de informática. Se a exigência assim o obriga, o
salário deve de acompanhar a exigência.

Pretende o Estado que trabalhemos com excelência, atualização
constante e nível superior de exigência com salário geral? Pretende o
estado que os informáticos de carreira migrem para a carreira geral? Não
traz benefícios para o trabalhador contrapondo esta proposta, mas traz
prejuízo muito avultado para as entidades que seriam obrigadas a
externalizar muitos dos seus serviços se pretenderem manter a qualidade
do serviço que hoje praticam.

A proposta do governo não termina, passa uma borracha na figura de
coordenador deixando mesmo de existir na proposta. Quem o é atualmente,
quem gere equipas, quem desempenha as funções cessa de imediato no
momento de entrada do diploma. Novamente uma pergunta se levanta, quem
executa as funções? O informático não o é certamente. O governo continua
eliminando o artigo nº20 da lei 97/2001, que permite o pagamento por
tempo complementar de 12,5% do salário.

Claramente, com esta proposta, a tutela pretende transformar a
carreira de informático num trabalho das 9 as 17:30, quando os sistemas e
serviços operam 24×7. É como mandar recolher todas as forças de
segurança às  17:30; é fácil imaginar o caos que se geraria!  A senda da
destruição continua: na definição de funções é percetível que quem
redigiu esta proposta não diferencia um sistema de autocolante. Numa
época conturbada, com grande parte da AP a trabalhar em casa devido à
pandemia, com os ataques informáticos constantes, não existe uma única
linha sobre cibersegurança, proteção de dados ou mesmo inteligência
artificial nesta proposta de 2023.

Pergunto, como é possível que a definição de funções de 2001 esteja
melhor adequada a 2023 do que uma declaração de funções redigida em
2023. Não sei onde os sistemas informáticos da AP vão parar, mas sei
onde o dinheiro que será gasto em serviços externalizados vai parar.

Resta-nos esperar!

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